sábado, 6 de setembro de 2008

Apocalipse

E da gargalhada lúgubre do diabo,
voando nas asas brancas da pombinha
a melodia de Wagner
assustava a alma impura da criancinha.

E casas sem telhado,
e casas sem jardins,
fumando descuidados
os pobres soldados matam querubins.

E a gargalhada sonora de Deus ria,
ria, ria,
regendo a macabra sinfonia.

A Virgem perguntava a Dante pelo seu
[novelo de lã,
e Gabriel,
as asas queimadas
esquecendo seu fado,
gritava como um menino, pela mamã.

Um cego tacteando não via
o peixe que fora de água e a seus pés
[morria.

E plantas que comiam homens
e homens que comiam deuses,
cujas excreções, em asas de pavões,
cresciam e multiplicavam
assustando o texugo fedorento,
que fugia apavorado da abelha que trazia
[nas asas
o cruzamento entre pombas e dragões,
nascendo ovos na barriga dos leões.


As sanguessugas chupavam o homem
e o homem chupava Deus
que lutava contra o seu próprio sugo.

E um palhaço
ainda pintado,
com cara de parvo, saiu do palco
[correndo,
gritando,
por Adão, e Eva.

Na terra não neva
e a maçã apodreceu.

E eu pergunto
se o palhaço era Deus,
se Deus era o Apocalipse,
se o Apocalipse sou eu?



Celestina Marques, “Verdadeiramente” Eu e Os Meus Amigos

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