segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Último poema de amor

Um dia, no silêncio que se prolonga pela angústia dos dias, vou encontrar-te
numa rua da cidade.
Depois, talvez digamos um ao outro palavras do país antigo
que vivemos quando as flores morriam suavemente
no entardecer daquela esquina, onde o homem,
parece que eternamente, segurava uma caixa de esmolas.
Ah! Recuperemos então a memória e todas as raízes
Me vão doer, eu sei, em todo o corpo e nas palavras
Que serão então antigas palavras como o tempo.
E talvez me lembre de tudo, menos de ti, segurando,
lembras-te como o fazias? As minhas mãos.
Os ossos voltarão a bater devagar o meu pensamento.
A voz do cego a pedir esmolas agigantar-se-á
e eu estarei longe, muito longe, onde nunca
poderás chorar a tua dor numa esquina igual.

Perguntar-me-ei como vai o teu amor ou o teu esquecimento
e se gostas ainda de borboletas e daquela sopa negra
feita com couves da nossa região.

Talvez, como o poderei saber? tu tenhas outra voz e outro nome
e eu invente um sangue novo para cobrir a morte
ou então o silêncio de pedra para matar todas as borboletas
que ainda possam voar sobre a cabeça do cego,
eternamente cego à esquina onde, no muro em frente,
tu seguravas as minhas mãos abertas sobre o mar.
E perguntar-te-ei: amor, tu lembras-te?
Mas de longe, depois da despedida, quando me encontrar
novamente sozinho e perdido nas ruas da cidade
onde em cada esquina parece haver uma voz seca e dorida
arrancando de mim a dor
que a memória não suporta.
Depois mergulharei a fome num prato de sopa negra
numa taberna qualquer que tenha couves
daquelas que tu gostavas, que eram negras, da nossa região.

Mas em frente, tu não estarás lá, a comer comigo.
Terei os olhos esquecidos, angustiadamente sobre o pão.


Rogério Carrola, Viola Delta V

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