domingo, 7 de setembro de 2008

Interlúdio

A estação das flores,
aquela que me faz espirrar,
mas claro que escancaro mais as janelas!
E quero sair desse gesto sazonal,
suspender a entrada do mundo em mim.
Agora vou só derramar,
talvez na forma da flor odorífica e campestre,
luz e cor nas narinas dos entes
e cansar os teus olhos quando ouves o eco destas palavras que lês.

Choro as frases e os poemas lidos,
Porque morrem os sons ou os sinais?
Tal como o inexorável e contínuo naufrágio
não se cansa de despedaçar os destroços das caravelas?

Estas falas mil suspendem as boas novas do Equinócio
Matam a promessa que há no presente.
Ofereço ao futuro o que renego agora.
Tento espreitar todas as articulações da minha estrutura óssea
e esta impossibilidade de pairar ou bater asas.
Inquiro também o absurdo da palavra fome.
Oh, Natureza!
Oh, Homem!
Oh, deuses!
Porquê em todas as línguas e épocas?
E sempre déspota rainha nos palácios da abundância.
Aí, gradualmente impõe a sua cegueira e conversas de cinzas
aos enriquecidos, ou privados,
do total sido no sino intenso de luz branca, luz vermelha e ocre,
do sul que então não era,
mas o universo a latejar silvestre e selvagem,
nas límpidas e frescas águas reflectidas nas retinas dos pardais,
ou cavalgando livre e garrido nas penas dos gaios,
na voz namoradeira das popas inquietas,
no azafamado e tremente zumbido das pétalas,
no suor extemporâneo
e no canto das mondadeiras?
No pão verde.


José Carlos Vinagre, Lado Esquerdo, n.º 5 (Caderno de Poesia)

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