segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ó mar

Ó mar que és tão bonito
com as tuas ondas ondulando
e quando o sol está perto de ti
teu brilho é tanto.
Mas essa tua beleza,
também é traiçoeira,
quanta tragédia acontece
e tu que a tudo assistes
nada te entristece.
Gosto de te apreciar
mas tenho medo de ti,
se me puderes tragar,
a minha vida terá fim.



Zinda, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Quando beijo o céu

Quando beijo o céu,
o sol, a lua,
ou todos os astros,
tinge-se-me o corpo
de coloridos fartos.
Da tua boca,
do vazio dos teus beijos,
nem a frescura do aroma
mata a cor dos meus desejos!



Zeus, Inédito

As borboletas

Borboletas as tuas mãos
as nossas mãos entrelaçadas,
com os olhos azuis das borboletas,
a palpitar na impossibilidade,
dos olhos nas mãos
e as borboletas nos olhos.
Borboletas, olhos e mãos,
Esvoaçando em redor
De um sol verde.
Nas minhas mãos os olhos.
Nos teus olhos as borboletas,
Reflectindo o azul das estrelas.



Vítor Ferreira, Literatura Actual de Almada

Antes das baionetas floridas

Antes da cidade
havia um deserto
e um cravo aberto
voltado ao firmamento

também havia
trigo esperança
centeio herança
e homens sem cobardia

e as pessoas eram felizes
e as flores não eram colhidas

vieram depois os autocratas
e o lavrador burguês
trocou a enxada
pela espingarda guardada

assim nasceu a cidade
com rosas de caridade

agora o arado
são forças vencidas
do tal burguês camponês
onde cruzam baionetas floridas.


Victor Aparício, A Sinfonia de Uma Cidade

Quadras

Óh João casaste com uma velha
para te matares a rir,
mas põe a cama bem alta,
para a velha não subir.

No dia de S. João,
passei por a tua rua,
olhei para a janela,
e vi-te toda nua.

Subi por uma colina,
desci por um diamante,
vi a Andreia agarrada,
a um belo estudante.

Se tu gostas de um “tropa”,
um “tropa” te ama,
mas um mais giro,
é fazer “troc, troc” na cama.


Vera Lúcia Lopes, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Zero e vinte

Olá meu rouxinol!

Porque bates nas vidraças
com bandeiras de azeviche
se ainda vem longe o sol?

Será que a lótus vai abrir
Em meu jardim por florir?

Vá,
diz depressa
se o futuro vai passar!

Porque se assim for,
hei-de ir à torre mais alta
desfolhar uma flor!



Vaza Pinheiro, Literatura Actual de Almada

Mentem muitas vezes os que dizem que

Mentem muitas vezes os que dizem que
eu perdi a vontade de sonhar.

Dizem tantas coisas com palavras sem cor,
quiseram proibir a luz do universo...
e eram incessantes nas suas frases frias,
profetizando para o meu poema
o esquecimento.

Eu lancei-lhes aos olhos os raios deslumbrantes
de nosso sonho,
cravados no teu coração e no meu,
e reclamei o mar
que deixavam as nossas pegadas.

Me perdi de noite, sem luz, sob tuas pálpebras
e quando me envolveu a claridade
nasci de novo,
dono de minha própria ilusão.



Vang, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Não te amo mais

Não te amo mais.
Estarei mentindo se disser que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
não significas nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

Obs: Agora leia de baixo para cima.



V. Mar, A_Verdade_da_Mentira (Blog)

Pequena história

Ao passar pelo Ginjal
a caminho de Lisboa,
tomei uma refeição
que estava muito boa.

Já a bordo do “cacilheiro”,
meu pensamento voava,
que era eu o primeiro
a dizer que te amava.

Ao pisar terra firme
da grande capital,
Deixa que te afirme
que te amo sem igual.

Tudo é possível
neste amor que te dou
que não é irreprimível
num começo que tardou.

Na vida há alegrias
e algum amor reservado
e aquele que tu queiras,
tenho-o no coração guardado.



Trovador, Versos Que Alguns Escreveram

Como são suaves

Como são suaves
as linhas do teu rosto,
o teu sorriso
acolhedor;
neles, a dor
é um risco incolor,
uma transparência:
o amor,
por excelência,
no seu máximo esplendor!



Toninho, Inédito

Caminhar pela vida

É sempre no dia a dia
Que conheço o teu valor,
Porém na tua ausência,
Julgo-te ainda melhor.

Não esperes recompensa,
Dá ajuda de verdade,
A felicidade é maior
Se for feita de vontade.

Sei bem aquilo que valho
Nunca gostei de favores,
Sou contra as hipocrisias,
Prémio de certos senhores.

De tudo já fiz na vida
Algumas se reflectir,
Só uma coisa não fui capaz,
Ter a coragem de mentir.

No teu lindo caminhar,
Vejo uma bela andorinha,
És a mais bela primavera
Que chegou e é só minha.



Tó Machado, Versos Que Alguns Escreveram

Almada

Cidade bela, é Almada,
Almada linda cidade,
que merece ser amada
assim como a Liberdade.

Do seu nome é orgulhosa,
terra nobre e afamada
mesmo que seja caprichosa,
cidade bela, é Almada.

Está sempre enamorada
e cheia de felicidade
como uma mulher prendada,
Almada linda cidade.

Bom povo que ela tem,
gente rija e ousada
da antiguidade provem
que merece ser amada.

Gente bondosa e altruísta,
tão cheia de dignidade,
honrada e benquista
assim como a Liberdade.



Tino Fausto, Versos Que Alguns Escreveram

Breve instante

De noite,
quando as noites são escuras,
sem estrelas, nem lua,
sem neve na serra,
nem vento no mar,
O Anjo,
inclina a cabeça
e desce as pálpebras,
num breve instante,
num breve sonhar!



Tina, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Lua cheia

Não há fogo nem alegria,
na mórbida sorte,
é louca sinfonia
quem desposa a morte,
È recitar egos e paralelos
aos dias passados,
é tocar velhos hábitos
enquanto vivo asfixiado.

É ter dúvidas
na certeza quotidiana,
é querer amar quem
pelo nosso nome chama.
É ter desejo de desejar,
é ter capacidade de formalizar,
é ter sonhos a realizar,
é ter angustias a declarar,
é ter, ter, ter…
ter tanto que se passa a ser!

È ter força quando estamos fragilizados
é ser grande quando minimizados.
É assinar a terra e o mar
é ser deus com o pecado de amar.
É ferver em paixão,
é ferver em solidão,
é ferver em razão,
é ferver no perdão,
é ferver no que não existe,
é capacidade de sorrir
no pensamento mais triste.

É pensar…é olhar…é esperar…
é um dia acreditar!



Tiago Reis, Lost_in_Words (Blog)

O pássaro

O pássaro
no fundo
da algibeira

ah esse
ninguém
mo pode roubar

O cavalo
clandestino
no sótão

há-de estar sempre

à minha espera

Um mar que eu sei
uma onda
uma duna

nunca deixarão
de ser
por mim

Uma pedra que tive
um gesto que gravei
num muro

bem sei
que serão sempre
a meu favor

Um telhado
um sobrado
um certo cerro
azul

bem sei
que estarão sempre
ao meu dispor

Um gosto
Um susto nos lábios
e no sangue

sei que
de olhos fechados
me conhecem

Por tão pouco se vive
de tão pouco se morre
com tão pouco se espera


Teresa Rita Lopes, Os Dedos, os Dias, as Palavras

Papel Caneta Tabaco Tu Um poema

Quando a sede invade nossos corpos tisnados de fúria
fizemos amor pelas escadas da vida.

Ainda recordas os pequenos nadas que te disse?

Os nossos corpos nus na metamorfose de um instante
na expressão sublimada de um eu
no subconsciente à conquista de um corpo
o teu!
Amava-te!
Hoje, nas linhas do papel
da caneta
surge um poema!...
És tu… sempre tu!...



Teresa, Espasmos na Lua

A vida...

A vida sem amor
não é vida.
É como um rio
sem água.
Sem água não há
rio.
Sem amor não há
vida.
Assim sinto um
vazio.
Estou só e perdida
Não sei se choro,
se riu
se tento encontrar
a minha vida!



Susana Veloso, O Elias, n.º 7

Porque não!?

Dizem que sou romântica
E porque não!?
Se acredito na paixão

Dizem que sou teimosa
E porque não!?
Se acho que tenho razão.

Dizem que sou sonhadora
E porque não!?
Se acredito na ilusão.

Eu só sou eu mesma, sim!
E porque não!?
Se eu nasci assim.



Susana Cunha, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 39

Eu sou e assim digo

Eu sou eu e assim digo,
Eu sou eu e mais nada,
Eu sou eu o teu amigo,
Eu sou eu a alma penda.

Digo-te quem eu sou,
Digo eu ao que venho,
Nunca digo p’ra onde vou,
Nem digo a dor que tenho.

Não fica mal ser sincero,
Não fica mal ser honesto,
Não sou aquilo que eu quero,
Não sou aquilo para o que presto.

Sou aquilo que devo ser,
Sou aquilo que me nasceram,
Sou aquilo que cada um quer,
Sou aquilo para que me fizeram.

Ouve lá ó companheiro
Não achas que dizer ledo,
És o mesmo o primeiro
A dizeres que não tens medo.



Sónia Pereira, Versos Que Alguns Escreveram

Quadras da minha alma

Sinto dentro do meu peito
o amor que sinto por ti,
acho que tenho direito
de te querer só p’ra mim.

A Liberdade hoje em dia
qualquer um abusa dela,
eu te digo, já sabia
ela deixava de ser donzela.

O sol, o mar e a serra
são elementos preciosos
p’rá gente andar na terra
temos de ser conscenciosos.

Não me vires o nariz
quando contigo falar,
pois não pensei ou quis,
que ainda te vinha amar.

Peguei num livro para o ler
com grande satisfação,
era a história do querer
enraizada no meu coração.


Solrac, Versos Que Alguns Escreveram

Eu queria ser um poema

Eu queria ser um poema
Escrito p’la tua mão
Mesmo sem valer a pena
Mas era do meu coração

Fosse pedra ou granito
fosse chuva ou luar
fosse um ribeiro a correr
mas só queria ser poema
dito por ti com paixão
porque quando eu morrer
terias sempre esse poema
dentro do teu coração



Sofia Tavares, Adeus poemas

25 cravos

Nobres capitães
Ofereço-vos flores
- Cravos
Revolucionários,
Deram-me 25 anos de vida,
De liberdade
Ofereço-vos
25 cravos para 25 anos de Abril
Heróis
Criadores desta filha
Moça feita mulher
De 25 primaveras
Já o golpe se soltava
Eu do ventre,
Ventre moldados em 40 anos
40 anos de Ditadura, Censura
De perseguições – Tarrafal
De fascismo, Direita imposta
Pelos anos maus da 1.ª República
Capitães
Sonhei liberdade, voto
Pensamento-livre,
Escolha-múltipla.
Com o 25 de Abril
Frutos da revolução...
Sou prostituta
Com um filho no mundo
Mulher,
Marginalizada,
Desta sociedade
Permanecida nos outros tempos ditadores...
Façamos outra Revolução
Façamos outro 25 de Abril.



Sofia Santos, Lado Esquerdo, n.º 5 (Caderno de Poesia)

Poesia

A poesia acontece assim
de uma pedra
de uma árvore
de um pensamento

de um sentimento
que nasce por dentro
e transborda
em palavras
como gotas de chuva
que se soltam
de uma nuvem carregada.

Poeta
é todo aquele
que num ou noutro momento
deu expressão ao sentimento
trazendo-o ao mundo
sob a forma de palavras.

Assim
desde pequeninos
todos nós somos poetas.

A diferença
é que uns
produzem poesia
como fios soltos
frases soltas
ditas aqui ou ali
neste ou naquele momento
enquanto outros
como eu

por ser tanta a poesia
sentimos necessidade
de juntar os fios
entrelaçá-los
trabalhá-los

e fazer nascer o poema
simples jogo de palavras
conjunto de frases combinadas
de forma a dar corpo ao sentimento
entrelaçado de sentimentos
ou
na sua forma mais elaborada
versos trabalhados
em formato de soneto
ou Canto.

Por mim
prefiro aqueles mais simples
por serem mais livres
mais naturais
mais próximos
do sentimento original

e
independentemente
da sua forma ou formato
considero mais úteis
aqueles
que retratando
com verdade
a sociedade
procuram transformá-la.


Sofia Pedro Lima, Inédito

Zoila tem o sorriso

Zoila tem o sorriso
sofrido com o passado todo da Bolívia do Peru
dos Andes do Equador.
Carrega a alma ternas dos lamas
E o olhar é a chave para
As portas do sol.
Tem as tranças tristes
e a sabedoria dos incas.
Zoila.
Traz consigo a magia de todas
as cidades de ouro perdidas pelo mundo.
Paira com a dignidade altiva dos
condores
nesta Lisboa de pressas
sem atenção para os desígnios dos deuses
ou os segredos que o óbvio encerra.
E Zoila tem as cores do fogo
das crianças com guerreiros bravos
dentro do coração
e ainda sabe que somos os filhos da Terra
e que ela será a nossa mãe
quando ficarmos um só
com o vento a tocar flauta
alegre e antiquíssima que
encerra a noite dos seus cabelos-luz.



Sofia de Lemos, Literatura Actual de Almada

Gaivota

Quem me dera ser gaivota
planar nos ares
da beira do cais
nos rios e nos mares

e nos vendavais.
Gaivota de voos lisos
de gritos roucos bravios
selvagem de gestos preciosos

raivosa nos ventos e frios.
Beber em riachos cristalinos
água pura das nascentes
inspirar odores mais finos

sentir sensações crescentes
com reflexos rápidos
vencer minha presa
não ser animal de hábitos
mas sim de beleza.



Silvina Jerónimo, Versos Que Alguns Escreveram

Um poema de amor

Se eu pudesse
amava apenas uma vez na vida

Escolhia e permanecia...

Se eu pudesse
fechava-te nas minhas mãos

Esquecia-me e pertencia-te...

Se eu pudesse...
Se eu pudesse
agarrava o infinito
prender o espaço
tocar a eternidade...

Se eu pudesse
era
mais um ventre
uma alma
mais que uma dor
um presente
mais do que um ser
um acontecer...


Sílvia Madeira, Literatura Actual de Almada

Segredo partido

Partimos um segredo em duas partes
Foi uma para o mundo se calar
e a outra para nós.

Qual delas é a maior é que eu não sei...

Há para aí tanta voz
Que vai espalhando
A parte mais pequena!...



Silvestre R. dos Santos, Transmutação no Tempo

AcIma

AcIma
do Mundo
Pensam estar
Mandam e dEsmandam
Matam e Ressuscitam
MultI-milionários,
digAm:
QuaL a fortuna
que Iguala
o Sangue
de Muçulmanos
inOcentes?



Sheila, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 21

As mãos

estas são as minhas mãos
tomai-as
não vos trago rosas nem pão

esta é a minha mão direita
e com ela vos dou metade do meu coração

esta é a minha mão esquerda
e não inveja a minha mão direita
com ela vos dou
a outra metade do meu coração

estas são as minhas mãos
tomai-as
com elas vos entrego
purificada de todas as vaidades
em toda a pureza dos gestos
e a alegria dos dedos
a dádiva inteira do meu amor

esta é a minha mão direita
esta é a minha mão esquerda
cinco dedos em cada mão
dez dedos e um coração

esta é a minha mão direita
com cinco estrelas nos dedos
esta é a minha mão esquerda
com cinco rios de sangue

estas são as minhas mãos
tomai-as

esta é a minha mão direita que escreve
paz fraternidade e alegria para todo o mundo



Sérgio Só, Atestado de Residência

Secreta paisagem

Quando o sol está a pique,
nos ardentes dias de estio,
os estorninhos nas figueiras
são mil crianças em creche
à hora do recreio.

E o bicho da seda,
armado em seu casulo,
é a pálida imagem
do conhecimento que há
dos segredos do mundo.


Sebastião Caldeira Ramos, Orfandades

Medo!

Medo!
Que segredo,
que ventura?
O vento escuta,
murmúrios de desejo
desertos de loucura...


Sara Costa, Inédito

Tu és quem és

Tu és quem és,
Tu serás quem serás,
Eu sei quem sou,
Quem sou tu verás.

Teu nome, quem te deu,
Teu nome que te clama,
Quem te pôs não fui eu,
Por ti sei quem te chama.

Santo nome te puseram,
Santo nome tu tens,
Por isso te quiseram,
Só por isso tens quem tens.

És como te fizeram,
És como tu nasceste,
Se assim te quiseram,
Foi porque assim mereceste.

Por mais que possa pensar,
Eu não encontro solução,
Para arranjar maneira de entrar
A dor no meu coração.



Sandra Pereira, Versos Que Alguns Escreveram

Eu sei

Eu aprendi a ler,
eu aprendi a escrever,
eu aprendi a falar,
mas nunca me ensinaram,
a como saber chorar.
Chorar lágrimas de seiva,
chorar pedras do monte,
chorar duma enxurrada,
e encontrar de novo a bonança.
Eu não aprendi a chorar ...
Mas sempre que posso choro.
Choro lágrimas convulsivas.
Aproveito e choro de tudo, do que
Veio e do que foi.
É uma forma de estar,
é uma forma de descansar,
deste cansaço diário
de nunca poder chorar.
Eu não aprendi a chorar,
mas choro.



Sandra Marina Almeida, Minhas Raízes já Descobertas

É nossa a bandeira dos deserdados

Içai bem alto a bandeira dos deserdados,
esfomeados e revoltados
é negra a sua cor
bandeira da dor, do amor, da fraternidade,
é símbolo da sociedade do porvir
sociedade livre de exércitos, padres e deputados
onde não haverá mandar nem servir
Homens com história mas sem glória
em seu lugar outros de Paz, Ciência e Harmonia
sociedade de nome Anarquia
ao contrário do caos da Democracia,
da fome, da desigualdade e corrupção
onde outros valores se levantarão
não mais pátrias viverão
num mundo onde eu poderei dizer:
- içai a bandeira que foi dos deserdados
e dá-me a tua mão meu amigo, meu irmão
já não há Pátria nem patrão.



Rui Castro, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 34

Símbolo

Foi aquela mulher, tão triste, tão triste
Que vi nesse dia tão perto da morte...
Vida naquele corpo já não existe.
Viver tristezas... Talvez sua sorte!...

Eu não posso, sem lágrimas, recordá-la.
Sem que aquela saudade me aborreça,
Sem que longo suspiro me estremeça,
Sem que o coração não queira amá-la.

Mas quando abandono esta saudade
Pressinto fugir-me a felicidade
Que me deixa a vida da minha vida...

Como se eu já fosse velho
Ela fosse a chama do meu conselho
Ou o bálsamo para a minha ferida...



Ruben Borges, Actualidades

Incongruência na saudade

Não... não pedi para existir;
Sem piedade, só egoísmo, vingança,
Doutros no martirológio subsistir,
Me atiram “SÓ” na luta de desesperança.

Eles partem, como ele, p’lo imposto;
Porque existiram, pela força imanente;
Vingam-se no imperativo do “gosto”...
Na consciente inconsciência de ser gente.

E eu? Luto, embora sem fim!
A vida não consigo viver
É ela que me vive a mim
E não mo deixa esquecer...

Até que revoltada estou...
Sem pedir a morte rondou;
Sem pedir a morte cercou;
Sem pedir a morte tocou.
Falando-me, a morte me visou.
À dita hora, a onze, gelou-me, levou
O pai, que o ser que sou!
No espaço-mundo-tanto amou.

Figuras imortais do meu gosto...
Resta, a existir, esperar,
Fingir ser matéria, trabalhar,
Chorando sobre elas, velando o rosto,
Até ao dia em que enfim,
Também, nem isso por mim,
Deixar de as lágrimas derramar,
Deixar enfim de Chorar...

SENHOR... etéreo, espaço que sei acreditar
“Miserere mei!”



Rosa Proença Adão, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

O estafermo

Do alto da velha Europa ouviu-se:
«Lixem-se o Mostrengo e o Adamastor!
Eu sou o Estafermo, a vossa dor!»
Hedionda e grossa esta boca riu-se...

Novamente, um ralho rude ouviu-se:
«Meus lábios são de negro horror!
A minha essência não tem cor!»
Em nevoeiros vários, Portugal zangou-se:

«Estafermo desaventurado, julgas a inércia
uma prova de sonho terminado?
Tu, a velha barbuda com alopécia?»

E nas ondas deitou a cabeça de lado,
sendo motivo da repetida inércia,
o marinho azul do mar encantado.



Rosa Espada, O Elias, n.º 7

Abri a janela do meu quarto

Abri a janela do meu quarto,
Era ainda manhã,
Porque em cima da mesa estava o coração!

Reparei na moldura,
E passei discreto,
Eram tempos de hesitação!

Que segredos guardam meus passos?
Que tristezas guiam meus conflitos?
Acabei por descobrir os meus laços,
Percorrendo sempre os meus gritos!

Corri para o canteiro do lugar
E recolhi um botão de formosura,
Que atento coloquei ao luar.

Era noite, cedo tarda a noite,
Porque cedo amanhece o dia!

Que fado é a saudade
Da mesa do meu quarto!
Que a felicidade é ter-te à mesa,
E servir-te este caldo farto
Num prato de sobremesa.

Como esta rosa florida em botão.
Este instante de ternura e poesia,
Que neste momento te entrego em mão.



Rogério Simões, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 41

Último poema de amor

Um dia, no silêncio que se prolonga pela angústia dos dias, vou encontrar-te
numa rua da cidade.
Depois, talvez digamos um ao outro palavras do país antigo
que vivemos quando as flores morriam suavemente
no entardecer daquela esquina, onde o homem,
parece que eternamente, segurava uma caixa de esmolas.
Ah! Recuperemos então a memória e todas as raízes
Me vão doer, eu sei, em todo o corpo e nas palavras
Que serão então antigas palavras como o tempo.
E talvez me lembre de tudo, menos de ti, segurando,
lembras-te como o fazias? As minhas mãos.
Os ossos voltarão a bater devagar o meu pensamento.
A voz do cego a pedir esmolas agigantar-se-á
e eu estarei longe, muito longe, onde nunca
poderás chorar a tua dor numa esquina igual.

Perguntar-me-ei como vai o teu amor ou o teu esquecimento
e se gostas ainda de borboletas e daquela sopa negra
feita com couves da nossa região.

Talvez, como o poderei saber? tu tenhas outra voz e outro nome
e eu invente um sangue novo para cobrir a morte
ou então o silêncio de pedra para matar todas as borboletas
que ainda possam voar sobre a cabeça do cego,
eternamente cego à esquina onde, no muro em frente,
tu seguravas as minhas mãos abertas sobre o mar.
E perguntar-te-ei: amor, tu lembras-te?
Mas de longe, depois da despedida, quando me encontrar
novamente sozinho e perdido nas ruas da cidade
onde em cada esquina parece haver uma voz seca e dorida
arrancando de mim a dor
que a memória não suporta.
Depois mergulharei a fome num prato de sopa negra
numa taberna qualquer que tenha couves
daquelas que tu gostavas, que eram negras, da nossa região.

Mas em frente, tu não estarás lá, a comer comigo.
Terei os olhos esquecidos, angustiadamente sobre o pão.


Rogério Carrola, Viola Delta V

As pessoas I

São cavalos mansos
as pessoas
Algumas dão coices
Patadas
Outras
Cavalos mansos
Na verdejante paisagem
Apenas



Rodolfo Rodrigues, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 20

Reflexão... ou o princípio da incerteza

Existe sempre o dia em que nos questionamos dos motivos
A complexidade do ser humano é fascinante!
Queremos dar mais
Saber mais
Ser mais
Mas limitamo-nos a questionar os motivos, o passado e o futuro,
as transformações dos nossos sonhos,
a busca do momento feliz!

Palavras, palavras...
Ideias que surgem e desvanecem
Mas que bela peça de teatro
Entretém-me em todos os momentos
Momentos que vêm e vão e nunca sabemos o que fazer com eles
sentimos a sua falta quando os perdemos
Perdemos!

E agora:
CHEGOU A ALTURA DE GRITAR A MINHA ALMA!



Rita Clemente, Debaixo do Bulcão –Poezine, n.º 21

Serão

Ronda
redonda
no fim do mundo
a saia rodada
da minha avó velha

Há um cheiro de tília
coalhado
Num barranco
um cego
apalpa um cardo
Um homem roça mata
Numa estrela

Lírio de luz,
a voz
é uma teia
E a memória uma cintura
dobando fio numa dobadoira

E eu, menina
Quieta
Penteio milénios
Na minha trança preta



Ricardina Guerreiro, Aventuras do Diálogo, n.º 2

Teorema

percorro na escuridão
a tua nudez brilhante
flutuo,
enquanto dou corda ao sonho
que espero que não acabe.

o relógio parou,
e o teu corpo trémulo
derrete com a voz
do Animal Selvagem
que ri no teu espelho

ele traz uma flor
na lapela
chamada Amor,
que como uma serpente
invade o nosso leito
adocicando ainda mais
tanto mel.

sorris para mim
quando me perco em ti
és a poesia perfeita
que devoro
palavra a palavra
ou a infinita melodia
enriquecida pelo
gemido das ondas
a invadir a areia.

Perguntas-me:
- és a continuação do problema ou a solução?
olho-te nos olhos e murmuro:
- sou o teorema. e tu és a fórmula.

(soltamos uma gargalhada em conjunto,
enquanto o nascer do Sol
ilumina o quarto)



Ray Só, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 19

Já não tenho

Já não tenho
a força
d’outrora!
Agora
desempenho
o meu próprio
baile de máscaras,
faces esculpidas,
ora pálidas
ora coloridas!
Um pobre cabotino
num peculiar desatino
de raiva incontida
no teatro desta vida!



Rambert, Inédito

Eu, Deus e o diabo

Não são os poetas que estão mortos
Não são eles que precisam da cadeira... digo eu
Mentes tu, exactamente, digo... eu não preciso da cadeira e tu bem
[sabes
Senão! Senão o quê? Senão não há cinema para ninguém.

Bravo... o Diabo sem cara, e agora a cara sem coroa... e tu queres
[ser o meu par logo à noite?
Não! Perguntam-me vocês... mas nós não te perguntámos nada...
Qualquer coisa digo eu, mulher ou diabo tanto faz!
E que quer o Diabo perguntas-me tu... será Deus maior se formos
[todos juntos...
Sim que bela miragem que tu és quando entraste. O preço? Será este
[o do Toni Ramos com tanto pêlo e que ainda aqui estamos, talvez na terra ou no céu ó amigo Frederico.
E a matemática pergunta o porco, a matemática mente respondemos-
[-lhe nós.
(...)



Pedro Querido, Debaixo do Bulcão –Poezine, n.º 20

O adeus à canoa

Quem dá mais por esta canoa?
Olhai a madeira que está boa
Conhece os segredos do mar
Não tenham medo de a comprar

Assisti ao leiloar de uma canoa
Era triste o pregão do leiloador
Porque ainda era pescador

Mão rude agarrada à amarra recordava
Quando combatia com a tempestade
Muitas vezes em troca do nada

Pescador ... Pescador

Não deixes leiloar a canoa
Tua vida não é à toa
Essa velha madeira
Se tem que esquecer alguma casa
Será tua

Canoa tormentos e ais
Tu sempre sonhaste
Morrer num cais ...

Quem dá mais por esta canoa?
Olhai a madeira que está boa
Conhece os segredos do mar
Não tenham medo de a comprar



Pedro Carrilho, Canto Além – do – Tejo

Luar

Sonho breve
sonho constante
entre a brisa e o mar
maresia que me consome o espírito
e a alma sobre gravuras abstractas
no consumo da noite
Bebi no desconforto da suadade
A maresia passa por mim
constante sob a lua e o sol
voando entrelaçados dos mundos
opostos no vago silêncio
no mar de espuma
avermelhada no horizonte
olhei o patamar do mar
Pairo sobre os vasos da vida
E volta o mesmo sonho das
Escumbras da noite
Voguei nas palavras
do ser eu
constei a perfeição sem ser eu
no mundo da espuma
naveguei entre mares
conhecendo sereias noutros tempos
correndo contra o tempo
de mares infinitos
Sendo uma estrela a pairar
nos confins do universo
navegante entre galáxias
Partículas de átomos
Navegando no mar buracos negros
Sobre a espuma das estrelas
Sou uma espuma
navegante



Paulo Peniche, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 21

Meu filho... minha vida

Filho,
Sempre que necessitares,
o pai estará a teu lado,
nos bons e nos maus momentos
serás sempre um filho amado.

Filho,
Enquanto fores bébé,
terás ternura e amor,
carinho e compreensão
serão dados com amor.

Filho,
Enquanto fores uma criança
a despertar para a vida,
terás todo o meu afecto
e toda a minha guarida.

Filho,
Enquanto fores um jovem
e viveres com ilusão,
terás em mim um apoio
e uma orientação.

Filho,
Quando já fores um adulto
com ideias e bem formado,
espero que possas afirmar
“Toda a vida fui amado”.

Bruno,
Por fim quando eu partir
para a terra prometida
espero poder ouvir-te
“Pai, lembrar-te-ei toda a vida...”


Paulo Cortez, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Desta culpa

O meu nome é nada,
vida desesperada.
O meu nome é vazio,
a vida por um fio
O perdão foi negado
na noite por acabar.
Na terra, por matar,
O meu nome abandonado

São portas fechadas,
verdades reveladas.
Ruas de água e pó
em que vagueio só.

O teu nome é nada,
inocência roubada.
O teu nome é desencanto,
apenas lágrimas, pranto.
É pecado, perdição!
Gritaste e eu escutei.
Mas tu sabes que amei,
mesmo sem salvação.

São portas fechadas,
verdades enterradas.
Desta culpa fica a dor.
Desta culpa só fica a dor



Paulo "Aelin" Moreira, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 12

Academia para a música, imaginada!

Academia para a música, imaginada!
Instrução assumida como primordial
Recreio e Desporto, para os sócios alicerçada
Familiar, unida, enlaçada e jovial
Almadense, geminada e plural.

Alvoreceu solarengo o dia prometido
Cedo correu a notícia da nova sociedade
Ansiosamente confirmado e garantido
Depois comentou-se com calor a novidade
Entusiástica nasceu a Academia de Instrução
Musicada para ser familiar almadense
Indizível se foi afirmando na população
Acarinhada por todos a quem pertence.



Osvaldo Azinheira, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Um encontro

Um dia, encontrei-a
Olá!... Como estás?
E ela muito prazenteira...
Vou andando, estou em paz.

Há muito tempo que não te via...
e eu também a ti, diz ela,
e a olhar-me sorria.
Eu disse: estás tão bela!...

Daí começamos a namorar
e o tempo foi-se passando,
preparámo-nos para casar
e no altar os dois jurando

a cada um fidelidade
e os filhos apareceram
fruto da nossa realidade
e o nosso tempo absorveram.

Depois surgiu outra alegria,
eles também casaram
e aquilo que a gente queria
com netos e bisneta nos brindaram.



Ostanova, Versos Que Alguns Escreveram

As minhas cores preferidas

Se a nossa casa
Fica no mar
A tua cor Azul
Envolve-nos de imensidão
Temos como tecto o
Azul do Céu
E como piso o
Azul do mar.

O Azul
Protege o
Nosso gostar

O Amarelo
Alegra a nossa casa

O Rosa
Sossega o nosso Lar

O Vermelho
Apaixona o nosso Amor

O Laranja
Pinta a sinfonia
Do nosso amar

E o Branco
Dá pureza e a Luz
De que precisamos para Navegar.



O. Salgado, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Almada, terra e coragem

Vive em frente de Lisboa
sobre o Tejo debruçada
terra de gente de proa
linda cidade de Almada

Há quem lhe chame outra banda
por morar do lado esquerdo
ser sentinela e varanda
de um povo que não tem medo

Foi terra valente
por nós sempre amada
foi grito, semente
de gente acordada
Almada fabril
de ganga vestida
Almada de Abril
nunca foi vencida

No tempo da tirania
A velha vila de Almada
lutou p’la democracia
foi bandeira e foi vanguarda

Por isso a ti, ó cidade
quero prestar-te homenagem
raíz, força, liberdade
Almada, terra coragem



Orlando Laranjeiro, Literatura Actual de Almada

Natal para todos

(...)

Homem que acreditas na ciência
Com um fim para a justiça social
Luta com destemor e paciência
Para que todos os dias, seja Natal.

Não faças do Natal apenas um tempo
De reconfortante ingenuidade de muita gente
Faz com que o Natal seja o exemplo
De amor e solidariedade permanente.

Que o Natal seja uma luta incessante
Para vencer a pobreza, a fome, a intolerância
Para acabar com a diferença aberrante
Para vivermos num mundo de abundância.

Fazer um natal globalizante
Para vencer a globalização da economia
Será a obra mais importante
Que o Homem pode erguer. A harmonia.

A harmonia, o amor, a fraternidade
A liberdade, para criar o homem total
Fazer a paz, pão e igualdade
Então, será sempre Natal.


O. A., Versos Que Alguns Escreveram

A cidade

Às vezes febril às vezes calma
guardando a margem de cá do grande rio
a cidade é feita de palavras assumidas

Por isso dizes da cidade o rio
Canoas de brisas nocturnas
Amanhecendo luares na casa dos poetas
Operários dos dias em que humanamente
Habitamos a vida



Nuno Gomes dos Santos, Almada, a Terra e a Água

Campismo

Tendas em conjunto formam
uma ocorrência bizarra,
os astros que acordam
olhando o rio e a barra.

No parque estão como magia
que logo a gente ao vê-las
com a nossa vista as vigia
assim como as estrelas.

Neste cantinho adorado
ouço o mar a murmurar,
não se conhece o pecado
e leva-se a vida a brincar.

Dizem que o campismo é grande,
é grande mas não aprece
onde o ar livre é triunfante
e toda a gente se conhece.

A maré está cheia e o barco não anda,
mas vou acampar, estou encantada
nesta linda e risonha “banda”
no parque dos três cês de Almada.


Noémia Teixeira, Versos Que Alguns Escreveram

Não faz mal viver de sonhos

Anda o sonho misturado
Com paixão
Mar revolto, em desafio
Apaixonante
Anda a vida, rebolando
Em turbilhão
Entre estrelas, constelação
Cintilante.

Bem visível é o grito
Do amor
Quando imploro, no sufoco
Da’gonia
Numa súplica ardente
De clamor
Onde ateio essa paixão
Que se extinguia.

Se o passado e o futuro
Se cruzar
Nesta dúvida de esperança
Sempre errante
No presente sinto a vida
A cintilar
Do futuro essa dúvida
Constante.

Não faz mal viver de sonhos
Coloridos
Se a esperança não morrer
Tudo é risonho
Quem na vida não sonhou
Não teve vida
Quem não teve esperança nunca
Teve um sonho.



N. R., “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Coisas a vida

Meu amor disse que vinha
Se o amor lhe acontecesse
Espero por ele à noitinha
E o meu amor aparece.

Eu nunca pensei esperar
Que o amor acontecesse
Mas na esperança de amar
O imprevisto acontece.

Se vieres sem ser esperado
Meu amor, não fiques triste
Podes crer que és muito amado
Amor maior não existe.

Sentimento como o nosso
Meu amor, eu nunca vi
Vem depressa que não posso
Viver tão longe de ti.

E este amor que vivemos
E esta paixão desmedida
E as ilusões que perdemos
São coisas próprias da vida.



Niza Ribeiro, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Cumplicidade...

Olhou-a.
E ela, quieta, expectante...

Tinha olhos tristes e cansados.
Olhou-a sem a querer ver.
E ela, abandonada, com tempo de bolor...
Tinha cabelos rebeldes-de-noite-escura.
Uma noite de noites sem lua, mal dormidas.

E ela, ali estava, inerte, muda...

Abriu a janela.
Vento e chuva...
Uma lufada fria e molhada,
deixou-a ensopada, arquejante.
Pestanejou.
Chuva escorrendo, acariciando-lhe a boca.
Lambeu devagarinho aquela chuva,
ejaculada pelo dia vivo.
Ao lado, a mesa.
E ela... continuava ali, agora convidativa...
Olhou-a.
E desta vez, viu-a.
Sentou-se.
Mergulhou os dedos nos cabelos em estado de sítio.
Pegou nela...acariciou-a.
Renasciam as palavras.
E a caneta, há tanto tempo expectante e quieta...
Sorriu-lhe.


Nia, Inédito

Desaparecer

Navegando por esse mar de sangue vou,
Vou sem que ninguém possa alcançar,
Vou para não mais voltar.
Desapareço!

Já me habituei a remar contra a maré,
Já me cansei de subir e descer o eterno rio do sofrimento.
Que objectivo?
Desapareço!

Pequenos botes atracam nas minhas goelas,
Sem que me aperceba o mar acalma e o rio fica mais fácil de subir,
Flutuando agora vou:
Desapareço!

Outros navios se aproximam,
Sem botes e sem destino.
Perdidos!
Perdidos no imenso mar da tristeza,
Perdidos para sempre, assim como a minha vida...
Desaparecem!
Desapareço!



Neuza Rodrigues, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Diversas

Nasci entre milhentas flores,
tive como berço um jardim
é no meio de tantos odores
que quero ter o meu fim.

Em cima de um cadafalso,
um homem espera o carrasco,
porque “meteu um pé em falso”
num crime que até foi um fiasco.

A vida é um grande “frete”
desde a hora em que nascemos,
é o agarra, tira e mete,
por ela muito sofremos.

Um dia, joguei na lotaria
à espera de ter sorte,
mas mal eu sabia
que ia levar um “piparote”!

“Cá se fazem cá se pagam”
lá diz o velho rifão,
se não é verdade, me tragam,
a essência da razão.



Neto da Rosa, Versos Que Alguns Escreveram

Komba-kia-toko *

Avó, mãe...
este teu neto, filho,
chama-te das profundezas,
do local onde te escondes,
espreitando-nos
nessa terra estranha.

Meu coração dilacerado pede-te,
mãe desconhecia,
a ajuda para atua libertação.
Venho de um mundo amolgado
pelas incompreensões,
e pela constante negação.

No campo do sonho, avó,
abraças-me meiga,
envolves-me ternurenta,
e sentas-me no teu colo pachorrenta,
tudo lentamente,
como se vivesses à espera da morte,
delicias-te com a afeição profunda
e inconsequente – aí não permites a dor.

Um entembe deveria eu realizar,
para o teu espírito dormir no colo de
[Deus,
porém avó, teu filho grande terás de
[perdoar,
como eu igualmente.

porque morreste no dia
em que eu nasci, avó?
Porque me deixaste
à mercê da terra do degredo vil?
Avó, será que responderás
às minhas impertinentes,
mas sinceras perguntas?

Sinto tua falta,
choro por não me teres tocado.
Sinto-me desprotegido, só, avó,
pois os homens também choram.

Tenho o medo alojado
no coração despedaçado,
tenho mágoa,
tenho saudades do tempo
que contigo não vivi.

Alguém rouba lágrimas
do meu rosto enquanto escrevo,
lágrimas de revolta, lágrimas tristes,
lágrimas sós, avó.

Espero que nessa nuvem
onde estás sentada,
faças o arco-íris aparecer,
para me iluminar.

Os meus dedos não param,
o coração pesado almeja leveza,
minha avó negra, escura,
que me socorre no quarto escuro,
quando tremo triste
por os não-meus não ter.

Avó ampara-me,
como teu filho grande aconselhaste.
Protege-me com a felicidade paternal,
pede ao teu Pai, que meu pai venha.



Nelson Rossano, Inédito

* Cerimónia fúnebre com muitos batuques e que se estende por alguns dias após a morte de um parente (Luanda).

Inundo de sol a minha pele

Inundo de sol a minha pele
Com a certeza do caminho a percorrer
E ergo bem alto o meu olhar
Como quem já não tem nada a temer

Fui eu que escolhi este caminho
De cravos e de esporas derrotadas
Se o percorrer, ainda que aos tropeços
Manterei as minhas mãos imaculadas

Não importa a dor, a solidão
Não importa se mais tarde vou chorar
É este o momento, é esta a hora
De fazer o que é preciso, de mudar



Natércia Anjos, O Sabor das Palavras, n.º 5

Mundo ingrato

Vida dura e cruel
que tanto nos faz sofrer,
é sentir que o mundo
é amargo, e está a morrer.
Tanta fome, tanta guerra;
É isto que nos espera?
Ó como me sinto perdida
na escuridão e na saudade
do mundo que era!...
Sinto desprezo,
por tanta ingratidão
para com os que trabalham
para ganharem o pão.
Temos que lutar
para que isto acabe,
mas lutar com força
para acabar de verdade.



Nana, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Amor meu para ti

Disseste que me conhecias
e quando ias para a fonte
eu sei que me sorrias
quando passavas aqui defronte.

Bela, sei que tu és
e boa falante também,
desde a cabeça aos pés,
muito elegante, como convém.

Tu nasceste bem fadada,
hás-de ser muito feliz,
por mim serás amada,
foi isso que sempre quis.

Pedir em casamento,
é mesmo o que sucederá,
tenho isso no pensamento
porque o amor funcionará.

Agora que bem te conheço,
e está próximo o enlace,
acho que te mereço,
e ficamos face a face.



Nado D'Alfama, Versos Que Alguns Escreveram

Aos meus filhos

O laço entre a voz e o olhar
tem o nó no coração
E a flor
nas mãos

Um laço não é feito de espaço
É um sonho de vento
num cruzeiro do tempo

Na sintonia dos laços
Uns são negros outros
baços
Alguns poucos são de
luz
É a flor nas
mãos quem me
seduz



Myrian Jubilot de Carvalho, O Sonho da Paz na Rua dos Poetas

Quem és tu ser estranho

Quem és tu ser estranho
que percorre as ruas mais estreitas
na penumbra da noite
do teu rosto
vejo apenas alguns traços
mas sei que te conheço
como se comigo houvesses nascido
a tua dor é a minha
em tuas alegrias as minhas revejo
a minha presença és tu ...
Depois acordo
e a lembrança persiste
como a água que amansa a sede
de ti não me vou esquecer.



M. P., Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 17

Esquina indiferença

Tinha nos olhos negros
o reflexo da solidão.
Na magreza do corpo envelhecido,
as rugas da alma nua.
A barriga, em vez de pão,
enchera-a com sopa de nada e ilusão.
Dormia ali no chão, frio e sujo,
na esquina da indiferença
da cidade crua.
Aos corações ausentes,
de passos apressados
e vidas sem sentido,
estendia as mãos abertas.
Lábios cerrados,
num acto de dignidade ferida.
Ao lado da caixa de cartão vazia
um apelo escrito em papel pardo:
«Peço uma moeda e um livro – sou mudo,
tenho fome e preciso de companhia.
Obrigado.»



Minda, Vidas na Corda Bamba

Os sonhos despertos

Os sonhos imaginados efluem na Eternidade;
Os sonhos almejados anseiam enquanto os fias;
Os sonhos concretizados perduram com a idade;
Os sonhos sonhados são teias de intensos dias;
Os dias são breves noites sonhadas.
O beijo é não repetitivo.
As Vidas, tão só amadas,
São o Sonho real activo.
O sonho é Sim,
O real é não.
Eis que em mim
Bateu um coração,
E o Sim
Se fez Não.



Milena Lusitano, Caleidoscópio do SENTIR

Os malefícios da propriedade privada

Inda ontem estava ali uma tabuleta
Que dizia "poribido tirar água".
Agora já não está,
Porque esta manhã o compadre Manel
Deu com ela na cabeça do compadre Armindo
E mandou-o para o jardim das tabuletas.
Mas também a culpa não foi do compadre Manel.
A culpa foi do compadre Armindo
Que já lá está.
Ora, quem mandou o compadre Armindo
Ateimar que o poço era dele
Quando toda a gente sabe
Que o poço é do compadre Manel?
E ainda se aquela água
Fosse boa para beber...
Assim, lá foi o compadre Armindo
Levar uma cachaporrada nos cornos
E isto - está vossemecê vendo,
Compadre Amâncio? –
Isto quando não havia necessidade nenhuma!...



Miki Sorraia, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Uma razão para partir

Nos olhos de quem ri
nas mãos de quem procura
no corpo de quem ama
no pensar de quem parte
na esperança de quem morre
e no coração de quem não esqueço
eu me encontre
e eu me perco

E na inquietação de quem espera
na voz de quem canta
nos pés de quem dança
no sentir de quem sente
na saudade de quem chora
e no coração que quero esquecer
eu me encontro
e de novo me volto a perder

tu que ris e amas que procuras
que partes e morres e esqueces
tu que esperas e cantas e danças
mas que sofres que choras sem esquecer
dá-me força para amar
dá-me esperanças para fugir
dá-me alento para esperar
dá-me uma razão para partir.



Miguel Nuno, Literatura Actual de Almada

O sonho

Penso no teu olhar, no teu sorriso.
No toque suave das tuas carícias...
O sabor dos teus beijos, o teu perfume.
O que sinto? Não sei...
Mas sei que me confortas o pensamento.
Abraças-me... Beijas-me... e eu sorrio.
Fazes-me sentir único e especial.
Então acordo...
Olho à minha volta e estou só.
Onde estás?
Então percebo que não passas de um sonho.
Só me resta fechar os olhos e imaginar-te, sorrir, e seguir em frente...



Miguel Dias, Blog O Mundo Meu

Súplica a uma estrela

Desce do céu,
anda...
vem falar comigo.
Vem acariciar
este pobre mendigo.
Anda,
desce do céu
para me acompanhar.

Vem cintilar
mais perto...
Vem dar um pouco de brilho
ao árido deserto
que eu trilho
para te contemplar.

Desce do céu,
anda, vem,
desce depressa
desse distante além.
.......................................
E sem sequer me ouvir,
continuas, lá longe, a refulgir.



Mendonça Ferreira, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 16

Galgando o infinito

Como se de socalcos se tratasse
a sustentar a ida ao infinito,
líquidas orlas, nívea sua face,
intercalam nuances dum perito.

Como se angustiado em vão cantasse
os tormentos da Terra num só grito
soluças na cadência do que amasse
o mundo com apego de proscrito.

Ó Mar, se tens das ninfas e sereias
o afecto dum amor imaginário,
nos abismos reténs deuses profanos;

Se a nau Argo pisou rubras areias
e foste medianeiro do lendário
deleita-te em ser dono dos Oceanos.



Marisa Ryder, Inédito

Sonho

Nada nem ninguém mo vai tirar!
O bem mais precioso.
A razão da vida.
Tormentoso, frio, calmo, irado
Erótico e mesmo depravado
Tão ténue, tão real, tão fictício
Tão primário, tão eloquente
Tão ódio, tão prazer
Tão amor, tão vício
Tão limitado e tão abrangente.
Nada nem ninguém mo vai tirar!
Nem companheiros bem intencionados
Nem caciques formais e mal formados,
Nem a hipocrisia nem a força bruta
Nem SIS nem CIA
Nem nenhum filho da puta.
Por muito afável ou medonho
Vai tirar de mim – o sonho –
Nem mesmo quando este casco de carne me largar
O sonho vai deixar de ser meu grito.
Porque a energia liberta que ficar
Fará do sonho um modo infinito!
Nada nem ninguém mo vai tirar!



Mário Silva, Lado Esquerdo, n.º 5 (Caderno de Poesia)

Incerteza

A tristeza do meu ser,
a ingrata solidão
com o tempo se acentua,
por mais que me custe crer
é dura esta ingratidão
da verdade, nua e crua.

Quanto mais o tempo avança
maior é a incerteza
no espaço que à frente tenho,
sinto diluir-se a esperança
transformando-se em certeza
o fim, em que não me empenho!

Ò vida que duras tanto!
que de ti já me aborreço,
nasci e vivi em pranto
não tenho por ti APREÇO!



Mário Caeiro, Memórias Vivas

domingo, 7 de setembro de 2008

Tributo a Carlos Paredes

Guitarra que te tocava
cigarra fantoche grilo
enrolado sobre as formas
de teu irreal tranquilo
génio além de quanto som
de quanta alada visão
era o único! o teu tom
que elevava o coração
agora a tua guitarra
vai procurar tuas mãos
que nunca mais a agarram
ficamos órfãos! Irmãos.



Marília Gonçalves, O Sabor das Palavras, n.º 5

Corre o sonho à desfilada

Corre o sonho à desfilada
Pelos campos da fantasia
E faz sorrir de alegria
Muita boca amargurada

Corre lento como o vento
Galga vales e montanhas
E em curto espaço de tempo
Corre distâncias tamanhas

Põe ao alcance da mão
Amor, fortuna e glória
Faz da derrota vitória
E à dor dá consolação

Mas é sonho, dura só
O tempo curto de um ai
Depois, leve como o pó
Sobe no ar e se vai

E fica outra vez a dor
A pobreza e a saudade
E fica a terrível cor
De que se veste a verdade.



Marília Caetano, Literatura Actual de Almada

Sem título

É com muita saudade
as quadras que vou escrever,
o que vivi no campismo
dava-me gosto viver.

Uniam-se os companheiros,
juntavam-se os alimentos,
contavam-se anedotas,
passavam-se bons momentos.

Passado tempo acabou-se,
É pois, a ordem da vida,
as amizades sinceras
nunca têm despedida.

Companheiros muito amigos,
confesso sempre os terei,
a amizade é tão sincera,
que nunca os abandonarei.

Agora vou terminar
porque o meu tempo acabou,
vamos pensar no futuro,
o passado o vento levou!



Maria Vitória Amaro, Versos Que Alguns Escreveram

Amigo

Que me escutas
Em silêncio
Que me compreendes
E não repreendes.
Amigo
Que me avisas
Quando há perigo.
Amigo
Que não me cobras
Que nada pedes em troca.
Amigo
Que posso contar contigo
Quando preciso
De apoio
D’um braço amigo.
Amigo
Conta comigo também.



Maria Viana, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Tempo

Tempo
de saber
de descobrir
de procurar.
Tempo
que se esgota.
Tempo
sem limites.
Tempo que cura.
Tempo de ilusão.
Tempo
que se ignora.
numa eterna
solidão!



Maria Veleda, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Aparências que iludem

Eu nasci para sofrer
Mesmo que julguem que não
Eu não deixo transparecer
O que me vai no coração

Às vezes estou a sorrir
Com vontade de chorar
Estou-vos a mentir
E por dentro a soluçar

Nunca fui feliz a sério
Só serei feliz a brincar
Muitas vezes estou a rir
Com vontade de chorar

Às vezes penso que devo
Meu coração descansar
Sorrir sempre, sorrir sempre
Sorrir em vez de chorar.



Maria Teodora, Sobre a Vida

Emoções

O homem chora
O homem ri
O homem sente
Emoção
Que motiva
Emoção
Que estimula
Emoção
Que preenche
O vazio
O escuro
Do nosso coração
Emoção
Homem que sente
Homem que sorri
Homem que chora
Sem nunca se perder
Numa desilusão.



Maria Silva, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

De sal e bruma

Só eu fiquei
aqui parada
na noite agreste
desesperada.

Só eu fiquei
de pedra e mar
com este búzio
no meu olhar.

Só eu fiquei
de sal e bruma
com este canto
feito de espuma.

Feito de espuma
feito de nada.
Sou a criança
inconsolada.



Maria Rosa colaço, A Palavra Iluminada

SOBRE A ESCRITA aos desarmados

Perguntaste-me por que escrevo,
de onde emano tantas palavras
que invadem linhas com ternuras,
farpas aguçadas ou tonturas,
feito corrente de águas bravas.

Respondi-te que estas palavras
brotam do fundo do meu ser,
que são a voz do pensamento
que muitos trancam cá dentro,
amordaçando o que a alma tem para dizer.

Eu simplesmente aprendi
a deixá-la divagar
sem limites para o sonho,
sem regras a respeitar.

Mergulho então a minha pena
nas mil cores deste rio,
e ouvindo o seu cantar,
grito solto a delirar,
ordeno ideias em corrupio.

Quebra então essas correntes
que amordaçam o pensamento,
e exalta essa voz
(que existe em cada um de nós),
dá-lhe cor e movimento!

Aprende a escutar o que esta voz te diz.
A mim, disse-me para aprender
A olhar para ver, a sentir para crer,
A escrever para ser feliz!

Escrever é lembrar
o que foi, o que é,
é ganhar maturidade
defendendo uma fé.

Escrever é criar,
É soltar nosso ser,
É também um direito,
Uma arma um poder!



Maria Margarida Leal, Literatura Actual de Almada

Companheiro

Conhecemo-nos doutros tempos,
belos tempos que já lá vão
em que éramos Companheiros,
no CCCA, com todo o coração.
Agora, alegres ou tristes,
recordamos com Saudade
o tempo em que éramos flores
e só queríamos a Felicidade.
No termo da nossa vida,
Olhamos felizes para trás,
Somos árvores já no fim,
Mas ficaram sementes por cá!



Maria Margarida, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Canto à natureza

Canto ao céu que me protege
Canto ao mar que me odeia
Canto ao sol que me aquece
Canto ao vento que me leva
Canto... Canto...

Canto à chuva que me molha
Canto à neve que me branqueia
Canto à brisa que me afaga
Canto à noite que me embala
Canto... Canto...

Canto às aves que me falam
Canto às flores que me sorriem
Canto às árvores que me abrigam
Canto às serras que me elevam
Canto... Canto...

Canto aos poetas que me ensinam
Canto aos frutos que me adoçam
Canto aos sonhos que me deixam
Canto aos dias que me morrem
Canto...



Maria Luísa Rosário Nunes, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Escravos

Outrora
fora o tempo
da quimera
e agora
é o tormento
de uma espera

grilheta
circular
que quebra pé
sineta
a repicar
numa galé

... e pelos mares
do medo
navegando
esgares
de degredo
desenhando

débil no siso.
Homem vencido,
Doente, bruto...
Mordaz sorrido
Escurecido
Pelo escorbuto.

Mares navegados
fizeram história
honram a Grei.
E ignorados
Cantam glória
Dão “Viva!” ao rei...

São os escravos
rentes ao chão
da Caravela
cominhos, cravo,
ouro, açafrão,
chão de canela
pele de canela
“postos de lado”
sangue romã,
suor salgado
são a “janela”
sem ver amanhã;
- pranto cerrado!



Maria Leonor Quaresma, Literatura Actual de Almada

Ver

Ver o amor para além da aparência.
Na percepção quântica e na intuição
Visionar a essência e a ciência.
Fotografia assombrada e sugestão

Ler a nova cabala sem mistério, consagrada
Quaresma ardente e orfismo sedutor
Caminho solitário Compostela encontrada
Espiritualidade sem ritual ou dor

Sentir que a via também é encontrada
na filosofia, ciência ou religião
e que será sempre uma difícil escalada

Viver o que será uma aventura sem padrão
em que se tem tudo ou nada
ou se vê luz ou escuridão



Maria João Sousa, O Sabor das Palavras, n.º 4

O jogo

Quem parte leva sempre a melhor parte
daquele que, assim, pobre ficou.
Quem fica esconde a tristeza com arte,
quem parte nunca dirá que chorou.

Ficar será melhor? Ou é partir?
(enganos de longas horas que demoram)
Quem parte mente quando quer sorrir,
quem fica sorri também. Mas ambos choram.

Deste jogo de partida e de chegada
nasce a ausência de tristeza amargurada
- que a vida é ingrata! E não pensou

que ao amor é permitido um desvario:
quem fica faz de conta que partiu,
quem parte faz de conta que ficou.



Maria Guinot, Esta Palavra Mulher

As sílabas confundem-se

As sílabas confundem-se
com o ar que se respira.
Alimento pontual
para apagar o grito.

Pacientemente, a lâmpada
o suor, o rosto leve.

Pacientemente, a morte
Demasiado clara à volta
Das crateras.



Maria Graciete Besse, Literatura Actual de Almada

Esperança

O sino toca alvorada
Numa manhã muito triste
É o toque a rebate
Do amor que não assiste.
Desfeito o meu coração,
Por alguém que já foi seu
É viver na ilusão,
Do tempo que não viveu.
O Sol tem que voltar
Com sua luz, seu calor,
Trazendo consigo a paz
Alegria e muito amor.
Amor para quem está só
E quem vive recordando,
O passado está em pó
Que o presente vai soprando...
Nova alma há-de nascer
Novos sonhos inventar,
Será mais fácil viver
Se para de recordar.



Maria Gertrudes Novais, Jeito de Ser

Saudades

Um dia terão
saudades sem fim
dos tempos de escola
dessa vida assim.

Será um sentir
do tempo sem dor
será uma saudade
cheinha de amor.

será uma saudade
dos tempos de sonho
será uma saudade
que na amizade pomos.

Será uma saudade
dos tempos de infância
que nos vai recordar
nossos tempos de esperança.

Recordar é bom
ajuda a viver
a vida é vazia
se saudades não ter.



Maria Farrobilha, A Vida em Poesia

Qualquer dia, do lado de lá

Qualquer dia deixo a rotina
e parto
para o lado de lá.

Qualquer dia abandono o quotidiano
e vou procurar-te,
do lado de lá.

Qualquer dia quebro o equilíbrio diário
e vou construir uma vida nova,
do lado de lá.

Qualquer dia rompo com todos os compromissos
e vou fazer uma nova aliança
do lado de lá.

Qualquer dia digo adeus a todas as saudades,
e apago todas as lembranças
e
mudo-me de vez
para o lado de lá.

Qualquer dia amarro todos os meus temores,
nego todas as minhas ilusões
e vou caminhar,
do lado de lá.

Qualquer dia agarro em todos os meus ideais,
apoio-me em todas as minhas forças
e
vou nascer DE NOVO,
do lado de lá.



Maria Custódia Pessanha, Lado Esquerdo, n.º 5 (Caderno de Poesia)

Ode à poesia

Há laivos de Espanca
Nesse verso além
Um toque de Bocage
No arremesso
Gritos de Camões
No versejar
Pessoa no intermezzo
António

O Nobre
No chorar.

E há partituras de Schubert
Nesse desespero
Naquele grito
Neste mar.

Antero
Ruy
O Belo
Ary a praguejar.

Há música e poesia
A soluçar.

Essa breve maresia
A versejar
Essa louca folia
A soluçar.


POESIA

LUAR.



Margarida Haderer, Inédito

Felicidade

Todos andam à procura
Deste dom e bem da vida
Esquecem que a estrutura
Está na Fé requerida.

Fé em si próprio, pois é,
Auto estima a valer
Acordar mexer o pé
Sinal que está a viver.

Viver não custa, a questão
É saber o que fazer
P’ra viver pelo coração
Para isso acontecer.

Da cabeça não se fala
Porque é mesmo o bem,
Quando o doutor não se rala
Do mal que a gente tem.

Felicidade requer
Saber viver o melhor
Daquilo que se tiver,
Antes que venha o pior.


Manuela Duarte, Versos Que Alguns Escreveram

Velhos?

Tu “velhote” que te castigaste
com tanto trabalhar
mas que nunca te fatigaste
para que valor te possam dar.

Pela vida que lutaste
pela vida tudo deste
mas que nunca notaste,
foi os anos que perdeste.

Hoje, no banco do jardim
recordando tempos passados,
esperando que chegue o fim
de tantos anos recordados.

Mas o teu fim está certo,
mas tem esperança no viver,
nunca queiras de mais perto,
aquilo que tem de ser.

Teu viver, é esperança
na vida nem tudo é duro,
voltaste a ser criança
para acreditares no futuro.



Manuela Amorim, Versos Que Alguns Escreveram

O quadro que eu vi

Que paisagem mais linda, mesmo bela!
Mas quem seria o tão grande pintor
que pintou o que viu mas com primor,
sendo a moldura já minha janela?

Até mesmo essa flor, linda donzela,
foi à fonte a pensar no seu amor!
Vaquinhas, e a campina já em flor,
tudo isto se vê lindo na tela.

Mas que primor esta obra de valor,
perfeita, linda mesmo e que destreza,
tão bem feita com todo o seu rigor!

Este encanto de tão rara beleza
é do mais consagrado e grande autor
que tem um simples nome: NATUREZA!



Manuel L. Lopes Monteiro, Poesia a Cinco Vozes da Margem Sul, v. II

Cacilheiro, o meu "barco do amor"

1. No tempo em que namorei
Fui visitar o Cristo Rei
À linda Vila de Almada
Num dia lindo e soalheiro
Embarquei num cacilheiro
Com a minha namorada

2. O Tejo tinha as águas calmas
Que fazia sonhar as almas
Dos casais de namorados
Cortava o ar uma brisa pura
Envolvendo em amor e ternura
Os corações apaixonados

3. Este meu “Barco do Amor”
Nada tinha de inferior
Ao mais luxuoso cruzeiro
Tudo em volta era beleza
O amor era a maior grandeza
Do mais humilde cacilheiro

4. Quando desembarquei em Cacilhas
Apreciei todas as maravilhas
Que nos ficam cá deste lado
Conheci a gente do Ginjal
Gente tão pura, que por sinal
Eu nunca tinha visitado




5. No Monumento a Cristo-Rei
Aos pés de Cristo parei
Para dar um beijo de amor
Rezei também a minha oração
Depois troquei meu coração
Testemunhado pelo Salvador

6. Foi um marco na minha vida
Depois visitei logo de seguida
Tão grandioso monumento
Passadas horas eu abalei
Mas deixei no Cristo-Rei
O meu mais puro juramento

7. Esse amor que continuou
E cada vez mais apertou
As amarras da minha vida
E sem saber dizer que não
Continuou a minha paixão
Junto da mulher pretendida

8. Se um dia a vida acabar
Podemos continuar a amar
Através de uma grande saudade
Depois de feito o juramento
O amor é o maior sentimento
Que dura uma eternidade



Manuel Antunes Marques, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 38

Hoje...

Hoje...
Só hoje, quero viver...
Ontem, amanhã?
Nada me importa
Só hoje...

Peço-te por caridade
Suplico-te meu Deus,
Que infinito seja
Hoje,
Para eu viver

O passado morreu
Futuro? Desprezo-o
Enlouqueci?
Não. Não é loucura
Só hoje querer viver
Hoje, só hoje!
Só...



Manel da Guiné, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 20

Almada

Sobranceira a Lisboa,
Almada surge no tempo,
Como uma terra boa,
Como um lugar d’exemplo.

Perde-se no infinito tempo
Sua história e tradição.
História feita de talento,
De coragem, alma e emoção.

Altaneiro no seu pedestal,
Dominador e vigilante,
Cristo-Rei surge-nos igual
A tónico revigorante.

Terra de variadas gentes,
Gentes de diferentes terras.
Terra de diferentes gentes,
Diferentes gentes da terra.

Terra de Paz e Trabalho,
Onde o trabalho faz Pão,
O Tejo é um atalho
Atravessado com emoção.



Machado de Pina, Versos Que Alguns Escreveram

O sol nasce nas mãos do

O sol nasce nas mãos do
poeta
iluminando os sorrisos
que crescem
nas árvores como
doces
cultivados pelo amor
e dedicação da arte agro-poética
alimento
de quem respira ar puro
e é regado pelas águas
correndo
solto
ao longo das margens
da imaginação
suspenso nas crinas de um cavalo
galopando
no peito da planície
ao encontro do poema.



Luís Palma, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 20

Zeca,

A madrugada começa
com a tua voz que ilumina toda a casa...

Abraço as tuas palavras,
uma a uma,
tão belas, corajosas,
sofridas e acusatórias
de mil e uma atrocidades
cometidas um pouco por todo o lado
pelos «vampiros»,
sem rosto ou idades...

Elas clamam por um mundo novo,
onde a paz e liberdade
não sejam constantemente
esquecidas no campo e na cidade...

E o melhor de tudo...
é descobrir a razão...
do teu canto continuar a ser
uma das mais belas
«armas da revolução»!...



Luís Milheiro, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 30

Amores

O amor é um sentimento
para o qual não há explicação,
às vezes dá tristeza e sofrimento,
também alegria que enche o coração.

O amor de pai é lindo.
Eu vou tentar explicar:
trabalha e luta por amor
para os filhos nada lhes faltar.

Amor de mãe tenho pena
mas não o sei descrever,
é um sentimento puro e intenso,
mas só as mães sabem compreender.

O amor entre o homem e a mulher,
como definir este sentimento?
Uma paixão louca de prazer
ou um feliz calmo casamento?

Devemos dar muito amor
para que a vida tenha mais sentido,
tanta gente sem ter amor
por isso já têm morrido!

Lucinda Rita Antunes, Versos Que Outros Escreveram

AL(A)MADA

No alto, imponente, ambíguo, mora o Cristo,
Sem cruz, sobre a cruz dos males de Almada,
Mudo, imutável de expressão velada,
Símbolo final do que está previsto,
Juiz dos males da cidade alada.

Subi ao cimo p’ra ver o que não vias,
E aqui neste sossego dilatado,
Onde começou um mal inacabado,
Quero calmamente encher os meus dias,
E colher a paz de ser ignorado.

Só os deuses não vêem lá do céu,
Mas disfarçado em nada, eu pude ver,
O passado proscrito a decorrer,
Neste mundo estrangeiro que não é meu,
Nem da vida que o tempo – adeus – me deu.

Lá estão as sete colinas à toa,
E o Tejo derramando a Capital,
E cá de cima, topo do Pragal,
Não só vejo as histórias de Lisboa,
Mas também toda a alma de Portgal.



Lourenço Gonçalves, Poesia a Cinco Vozes da Margem Sul, v. II

Viver feliz

Viajei por muitos sítios
Alguns a muita distância
Nada encontrei de mais belo
Que as ruas da minha infância.

É um bailado constante
Dançado com muito fervor
Aos passos do coração
Na sala do teu amor.

Foi sempre a minha ambição
Viver e ser amada
Foi castigo que Deus me deu
Viver sempre enamorada.

Rega o teu coração
De amor e esperança
No jardim da tua vida
Só haverá a bonança.

Nesta triste sociedade,
Aqueles que nada valem
Só servem para atrapalharem
Os que qualquer coisa fazem.



Lourdes Pimenta, Versos Que Alguns Escreveram

A fuga

Se um dia me não virem aparecer
estarei de pé, numa montanha agreste
ou numa praia distante, gozando o mar,
fugido das multidões!

Se ao subir da encosta, me encontrarem
deixem-me falar, mansamente, com o vento!

Se me lobrigarem feliz, no areal molhado
deixem-me interrogar as ondas, uma a uma;
olhar alongadamente o revolto líquido salgado
e saborear os encantos sublimes da espuma.

Não me falem... Olhem-me apenas de longe.
Deixem o vento contar-me longas estórias
e o oceano desvendar-me os seus temores,
como se eu fora um livro de memórias!

Depois, já saciado, talvez despreze a solidão
ou teimarei ficar ali, só, maravilhado
distante de todos; desse jogo viciado
de estátuas móveis masturbadas de ilusão!



Lopes Martins, Literatura Actual de Almada

Lágrimas e sonhos

Por detrás de cada lágrima
Nasce um sonho
O qual causa um silêncio
Mortal

E só, só tu podes Lutar
Só tu, podes gritar
Gritar:
vontades de esperança
Lutar:
vontades de lembrança
Mudar:
vontades de mudança

E nada mais importa.

Dessas lágrimas, desses sonhos
nascem vontades, desejos
Volúpias de ensejos.

E nada mais, nada mais
Provoca, revolta, importa

Nada mais...



Lino Átila, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 20

Diremos nós

Pediram-me para rimar,
mas como rimar não sei,
à língua direi.

Gosto do preto no branco,
como se costuma dizer,
antes perder por ser franco
que ganhar por não o ser.

Julgando um dever cumprir,
escuso descer no meu critério:
- digo a verdade a rir
aos que mentem a sério.

Ao amigo e companheiro
de quem se gosta
está em primeiro
o companheiro Carlos Costa.



Leo-Nena, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Norma de vida

Amar o sol, a terra, as madrugadas,
Sorver a vida, moldá-la a meu contento
Criar asas de sonho e de vento,
Beber o mar, a calma, as orvalhadas.

Viver cada minuto às gargalhadas,
Que a vida não é mais do que um momento,
Desanda mais veloz que o pensamento,
Breve se esvai, quais rosas desfolhadas.

Saber amar as coisas pequeninas,
Aprender a poesia e a amizade,
Abrir o coração completamente.

Tentar subir às nuvens cristalinas,
Misturar sonho com realidade,
E só assim viveremos plenamente.



Leopoldina Amaral, Ecos da Marofa

Amor e outras coisas

Com três letras pequenas
Se escreve a palavra mãe
Mas também com três apenas
Se escreve a de pai também.

O amor é uma chama
Que arde com tal razão
Que por vezes nos engana
A julgar, amar, mas não.

A droga não é um doce
Nem nunca doce há-de ser
Mas antes merda ela fosse
Do que tomá-la e morrer.

Já não seio que dizer
E sinto-me desolado
por no mundo ainda haver
fome e guerra em todo o lado.

Gravado a letras de ouro
Tenho eu no meu coração
O teu nome meu tesouro
Filho da minha paixão.



Lázaro Luciano, Versos Que Alguns Escreveram

A guerra

A guerra
é onde os homens ganham dinheiro para os filhos
é onde os filhos matam os pais
é onde os pais matam os filhos
é onde os irmãos matam os irmãos
é onde os irmãos de todo o mundo
[matam os irmãos de todo o mundo

A guerra
é uma casa de espectáculos
um palco para uma cena de teatro
é um actor que sofre de megalomania
é um actor que sofre narcisismo

A guerra
é o palco onde os homens dão libertação
[aos seus intestinos
a cena que justifica todas as paixões
a cena que justifica todos os crimes
é onde os homens podem matar pelo
[prazer de matar
onde se ama hoje e se odeia amanhã
é o palco onde os actores caem e não
[mais se levantam

A guerra
é um problema de estatísticas
é a luta travada na ignorância e
[desinteresse
dos que morrem ou ficam vivos
é onde se deseja a morte do outro
para mais depressa tudo acabar
é onde se aprende a odiar a vida
e a amar a morte
é onde se aprende a amar a vida
e a odiar a morte

A guerra
é a luta travada na mentira
do motivo opor que se morre
do motivo por que se mata
da utilidade do sacrifício

A guerra
é o bombardear dos canhões
a queda de bombas sobre bombas
a justificação da existência da bomba
[atómica
a justificação do seu lançamento
é a vitória pela morte
de milhões de homens
é a vitória dos vivos sobre os mortos

A guerra
é o combate do bem com o mal
é o combate de deus com o diabo
é a vitória de deus que é o bem que
[permite o mal
é a derrota de deus saciado com tanto
[mal
é o combate do bem com o bem
é o combate do mal com o mal

A guerra
guerra guerra guerra
eu não te pertenço
odeio o sangue e amo a vida de todos os
[meus irmãos
dos meus amigos e camaradas e inimigos
amo a vida de todos os homens
não posso odiar
não posso matar os inocentes
os que combatem e matam e morrem
os que têm que matar para não morrer
os que têm que viver para matar
os que os querem matar



Laureano Guerreiro, Literatura Actual de Almada

Um dia como os outros

Debaixo do céu cinzento
entornam-se feridas
queimam-se chuvas
e as gentes correm a abrigar-se.
São de porcelana,
os transeuntes que passam,
e refolham-se no centrinho dos seus umbigos
para que a chuva e as feridas
não toquem nos seus forros empedernidos.

Sobem e descem,
e assim passa o dia curto
com homens e mulheres que se amam num furto
e se vestem de inocência a caminho de casa.
Regressam sozinhos
de porcelanas endurecidas
quais feridas expostas



Laura Moura, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Acontecer

Tempo e Espaço
Conceitos, abstracto e concreto anteriores.
Cenário onde o Homem se recria e reinventa.
Sonho.
Projecto de vida.
Sonho, imaginação.
Incorporada a personagem, escusa-se à verdade derradeira
o amor acontece a medo.
A luz tarda, então.
A sombra, o medo, toma conta do espaço onde o
[tempo não se deixa intimidar.
O fogo que assola o espaço, incendeia a magia do
[nascimento que renasce em cada tempo.


Laudelina Emídio, Literatura Actual de Almada

Não podemos combater as ondas

«Não podemos combater as Ondas
Podemos aprender a Navegar... sobre elas»


... E um dia quem sabe voltar a Amar?
Escrever insanamente
É coisa que faço no meu Presente
Porque me sufoca o Passado
Para sempre em mim enraizado
E me aterroriza o Futuro incerto
Onde nada é poiso profundamente certo.



Lady Aras, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Tu criança

Tu criança! De sorriso triste
Que com roupas velhas
Cobres teu corpo magro,
Ignoras que o mundo existe
Da tua barraca contemplas as estrelas
De estômago vazio e cabelo desgrenhado.

Tu criança! Que a tudo tens direito
E tudo te é negado
Pão, amor, saúde e educação
Nesta sociedade em que devias ser a primeira
P’ra que amanhã estivesses preparado.

Tu criança! Grita bem alto ao mundo inteiro
Que queres um mundo justo e perfeito
P’ra que não te falte amor e pão
P’ra ensinares o teu filho com preceito
O caminho certo que deve seguir
O da justiça e valorização
P’ra que todas as crianças aprendam a sorrir
Luta e recusa a esmola que te dão,
O mundo é teu e tens de o exigir.



Julieta Fernandes, Versos Que Alguns Escreveram

Resumo de uma vida

Quando ao mundo fui lançado
e pouco tenho passado
Fiquei órfão e desamparado
Num asilo fui internado
Sendo aí educado.
Após 18 anos ter completado
e p’ra vida atirado
P’ra militar rejeitado
e uma família conquistado
Fui à luta amedrontado
Na encadernação interessado
Em várias oficinas amparado
Milhares de livros encadernado
Várias bibliotecas alindado
e muitos amigos conquistado
Muitos anos terem passado.
Agora já reformado
Vou esperando conformado
O meu fim descansado.



J. S. Rabico, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Soneto breve

tudo é breve
sopro ou vento
um momento
que te enleve

tudo é leve
movimento
só tormento
de ser neve

sê veloz
sê voraz
sê tenaz

sê feroz
até cru

mas sê tu



José Vaz, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 21

Poema do amor à paz

Se os poemas de beijos já findaram
Os beijos, vamos trocá-los mesmo em guerra
Se os homens-capital a casa metralharam
Vamo-nos amar amor por sobre a terra.

Deitemo-nos que a terra acolherá
O amor que salva a poesia que liberta
E dum poema, será dum beijo? Nascerá
A vida paz, a vida luz, a vida certa!

Deitados, mas de pé na nossa luta
Pelo mundo melhor com que sonhamos
Que quem por amor vive não permuta
Verdades e poemas por enganos

Contra a força bruta da espingarda,
A força de querença no provir,
Pois se é verdade que a paz já muito tarda
Também é que vamos construir

Beija-me a vida amor, vamos viver,
Amar o mundo todo, toda a terra,
Que a árvore da paz há-de crescer
Quando a poesia assassinar a guerra!


José Nogueira Pardal, O Sonho da Paz na Rua dos Poetas

Os espelhos

A vida era já só um pormenor
um segredo mal guardado entre
a caixa das jóias e a do pó-de-arroz.
Há muito que abominava os
rituais familiares, o sorriso dos
novos, o exercício da hipocrisia. E
os espelhos, por serem tão sinceros.



José Mário Silva, Nuvens & Labirintos

Dor em forma de soneto

Mataram o meu sonho
A claridade fez-se escuridão.
Na mão que apertava a tua mão
Abriu-se uma chaga repelente.

Um abismo cavou-se à minha frente
Onde me esperava a morte. E é em vão
Que a dor que me sufoca o coração
Implora por um Deus inexistente.

Estou morto. E neste olhar qual te olhava
Como se o amor ainda nos ligasse
Vai-se-me a vida que esse amor me dava.

Se Deus ou o acaso me deixasse
Deitava-me no tempo e esperava
Que a eternidade me levasse.



José Maria Rodrigues Silva, 20 Poemas Portugueses e 20 Poemas de Macau

Adeus, meu grande amor, adeus... adeus...

Lutei, sofri, amei até ao fim
Que sinto aproximar-se nesta hora.
Não sei para onde vou nem donde vim,
Não sei quem fui nem sei quem sou agora.

Só sei, amor, que estás ao pé de mim,
Não foste como as outras logo embora.
Ficaste, meu amor, ficaste assim
Ouvindo, terna, minha voz implora:

Não te importes que chore, gema, grite,
Faz do meu corpo tudo o que quiseres
Mas tudo, tudo, tudo, sem limites.

Eu morra no mais casto dos prazeres
- O derradeiro beijo ainda excite
Orgasmos à mais pura das mulheres.



José Malheiro, Literatura Actual de Almada

Cacilhas que praia foi

Cacilhas que praia foi
Terminal de burricada
Teve um farol que nos dói
Por ter ido de abalada.

Antes eram só os barcos
Os grandes e os pequenos
Eram autênticos marcos
A transportar passageiros.

Automóveis poucos haviam
Quase nenhum a rodar
Quando dois ou três surgiam
Barco acabou de chegar!

Lembro o teu cais do Ginjal
E aquilo que sempre foi
Em passeio semanal
Remando ao Olho de Boi.

Rua de Elias Garcia
Nome dado à pedreira
Onde ali nasceu um dia
O nosso Romeu Correia.

Em manhãs de nevoeiro
Cacilhas, sala de estar
Todos querem ser primeiros
Para irem trabalhar.



José Luis Tavares, Alma de Almada

Stress e incertezas

Nesta vida de stress,
No planeta a envelhecer
Sinto-me farto do mundo
Mas não farto de viver.

Tenho olhos e não vejo
O que gostava de ver,
Amigos que o não são,
Outros que fingem ser.

A fome seus olhos tem
Por eles não quero ver,
Antes ter pouco e comer,
Do que muito sem poder.

Sabendo tudo o que sei,
Tendo visto tudo o que vi,
Confesso que não conheço
Aqueles que conheci.

Nesta vida de incertezas,
Sinto-me bem onde estou,
Não me obriguem a mudar,
Gosto de ser como sou.



José Jorge, Versos Que Alguns Escreveram

Menos por menos

Fui livre na liberdade
das orquídeas na floresta
dos pombos quando a cidade
um Abril vestiu de festa
dos jovens na tua idade
da abelha na flor da giesta

Era um povo acorrentado
em busca da independência
e como eu tanto soldado
por aqui tanta cedência

Era um grito na sanzala
o incêndio nas cubatas
a gramática da bala
nas picadas e nas matas

Fui livre na presciência
dos poetas intemporais
ponto de coincidência
dos pontos colaterais
ora eu ora Excelência
- menos por menos dá mais



José Correia Tavares, Atraído ao Engano

Interlúdio

A estação das flores,
aquela que me faz espirrar,
mas claro que escancaro mais as janelas!
E quero sair desse gesto sazonal,
suspender a entrada do mundo em mim.
Agora vou só derramar,
talvez na forma da flor odorífica e campestre,
luz e cor nas narinas dos entes
e cansar os teus olhos quando ouves o eco destas palavras que lês.

Choro as frases e os poemas lidos,
Porque morrem os sons ou os sinais?
Tal como o inexorável e contínuo naufrágio
não se cansa de despedaçar os destroços das caravelas?

Estas falas mil suspendem as boas novas do Equinócio
Matam a promessa que há no presente.
Ofereço ao futuro o que renego agora.
Tento espreitar todas as articulações da minha estrutura óssea
e esta impossibilidade de pairar ou bater asas.
Inquiro também o absurdo da palavra fome.
Oh, Natureza!
Oh, Homem!
Oh, deuses!
Porquê em todas as línguas e épocas?
E sempre déspota rainha nos palácios da abundância.
Aí, gradualmente impõe a sua cegueira e conversas de cinzas
aos enriquecidos, ou privados,
do total sido no sino intenso de luz branca, luz vermelha e ocre,
do sul que então não era,
mas o universo a latejar silvestre e selvagem,
nas límpidas e frescas águas reflectidas nas retinas dos pardais,
ou cavalgando livre e garrido nas penas dos gaios,
na voz namoradeira das popas inquietas,
no azafamado e tremente zumbido das pétalas,
no suor extemporâneo
e no canto das mondadeiras?
No pão verde.


José Carlos Vinagre, Lado Esquerdo, n.º 5 (Caderno de Poesia)

Este amor estranho

Este amor estranho
Domina todos os meus actos,
Controla os meus movimentos,
Mantêm-me nos seus braços.
Engulo a saliva,
Cerro os dentes,
Dispo os olhos,
Evito a penumbra
Da luz que adoro.
A antítese expressa a minha vida,
Calada, inconsequentemente desperdiçada,
Em coloridas/vivas embalagens,
Debilmente conservadas.
Loucura das loucuras que me desperta,
Partilha o teu êxtase das ideias,
Das máscaras e falsas armadilhas,
Enterra-me aqui,
Enquanto penso,
Enquanto amo,
Enquanto morro,
Só.



Jorge Ramalho, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Cacilhas foi sempre aberta

(…)

Cacilhas foi sempre Aberta,
P’ra mim, através do tempo.
P’ra muit’ invasor, p’ la certa,
Isso foi um contratempo.

Desde que foi descoberta.
De pontaletes a empo,
Com nómadas se concerta,
“Liberal” é seu a-tempo.

Fenícios, gregos, romanos,
Vieram com arrogância,
Árabes, também germanos.

Mas terra da abundância,
Desde tempos soberanos,
Nela vemos tolerância.

(…)



Jorge Gomes Fernandes, Inédito

Linhas cruzadas

Cruzam-se linhas trocadas
Estão demoradas, já não funcionam
Qualquer número indicado, quando ligado
Está errado

Estou, estou, quem fala
Eu queria falar com Deus se for possível
Mesmo que seja a pagar no destino
Por favor só quero encontrar alguém do outro lado
Quero ouvir uma resposta certa
Qualquer coisa que me forneça uma meta
Ou me diga quem eu sou

Respondem que eu não estou
Ligue mais tarde
Amanhã estou em reunião
Para a semana vou de avião
Num sítio sem captação

Quando eu voltar
Pode ligar outra vez
Quem sabe provavelmente
Consegue-me apanhar

O Dr. não está nem vai estar
Se calhar desta vez
Não vale a pena voltar a ligar

Tente daqui a um mês
Se tiver sorte talvez
Ou deixe um recado
Outra vez.



Jorge Fialho, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 11

Ontem só

ontem só
comi cenouras

ontem podia
ter comido outras coisas

ontem

ontem só
comi cenouras

ontem só
comi cenouras
gostei foi bom
descobri-me capaz
de uma disciplina
auto-imposta

ontem, só
comi cenouras



Jorge Feliciano, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 21

Maçã da vida

Não consigo passar
Sem me excitar
Beleza de rosto
Lábios de sonho
Tontura de corpo,
És o fruto do pecado
Figura de estilo
Toque de luxo
Bocado de verdade
Fruto da vontade,
Não quero fugir
Deste grande amor
Que me causa dor
Mas me trás saudade.



Joma, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Lisboa

Do beiral do meu telhado,
Vejo uma cidade boa
Cidade velha talhada,
A minha velha Lisboa.

Das suas sete colinas,
Vê-se a sua imensidão,
Parece ouvir-se varinas,
Ainda se vive a ilusão.

Nos seus bairros castiços,
Pelas ruelas e becos,
Há permanentes feitiços
Só quebrados pelos ecos.

Nas janelas há flores.
E nas ruas passam rosas,
Que lembram velhos odores,
Enquanto voam mariposas.

É Lisboa cidade nova,
Que vive com emoção.
É Lisboa que se renova
Numa permanente paixão.

Nos seus centros hodiernos,
Vive-se, hoje, brutal paixão,
Quer-se transformar em moderno,
Uma permanente ilusão.



Joaquim Pina, Versos Que Alguns Escreveram

Nos fios do sol

nos fios do sol
deixámos o nosso
atado

éramos pássaros
livres
(assim pensávamos)

o infinito cresce nos nossos olhos
de terra batida
onde nos cercamos de papoilas

aconchegados no silêncio
já não interrogamos
amamos
sugando a noite
até á última estrela

os vidros estão todos quebrados
os das janelas
os das lentes
os das clarabóias
mas não há frio
nem névoa
nem nuvens
que nos separem

atados
lado a lado
estamos do lado em que se nasce


Joaquim Matos, Literatura Actual de Almada

Os pássaros

Canta o melro no choupal,
Canta a rola no salgueiro,
Ó popa não tens vergonha
De vires cantar no meu poleiro?

Canta o rouxinol no silvado,
Canta o grilo no buraco,
Canta a coruja no montado,
Canta a sapoila no charco.

Canta o papa-figo na figueira,
Canta o pardal no beiral,
Cantam as rãs na ribeira,
Canta o melro no choupal.

Canta o noitibó coitado,
Canta o tordo na oliveira,
Canta o tentilhão no prado,
Canta o estorninho na cerejeira.

Canta o cuco fininho,
Canta o pisco no amieiro,
Que nem sabe fazer o ninho,
Canta a rola no salgueiro.



Joaquim Mateus Carvalho, Versos Que Alguns Escreveram

Descansando

Vejo gente a passar,
Crianças juntas brincando,
Eu olhando, olhando
No seu balbúrdio chilrear.

Um carro que vai a caminhar
Um tilintar de bicicleta,
Alguém que quer passear,
Outro que se julga atleta.

Tendas, roulotes-caravanas,
Simples companheiros de campismo
Pensando nos Haitis, ou Havanas,
Sonhando simplesmente com saúnanismo.

Sem pensar em grandes viagens,
Apenas eu quero estar
Nas minhas longas miragens,
E simplesmente descansar.


Joaquim Ferreira, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Criança

Criança de olhos abertos,
coração cheio de esperança,
tens o rosto dos espertos
mas nunca deixes de ser criança.

Na vida vais crescendo,
na vida vias lutar
para na vida ires vencendo,
muito tens de trabalhar.

Trabalhar, lutar, viver,
tudo nesta vida faz parte
para que possas crescer
com nobreza, dignidade e... arte.

Tu criança que nasceste
para a vida aguentares
assim que na vida cresceste
prepararam-te para lutares.

Tu criança, para o que vens
que não tiveste culpa de nascer,
não são os pais e as mães,
que na vida fazem sofrer.



Joaquim Duarte, Versos Que Alguns Escreveram

Das ruas desertas renasço

das ruas desertas renasço
sem que as mortes
me abandonem
ou outros
lábios me acalmem a saudade

pelos olhos
turvos de paixão e de fel
contamino a alma

voyeur desta cidade
que espelha nos neons
os seus moribundos



João Vasco Henriques, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 13

Silêncios II

é com o olhar sempre em ti
que revelo este silêncio
e é estando sempre aqui
que me sinto bem propêncio

é aqui e é ali
o meio da desventura
alguém que fica aqui
crendo na tua candura

e és fêmea,
livre e fogo
esperança e fôlego também
és etérea
livre e logo
és graça, calma e bem

és um pouco, Lua decerto
como a teu nome convém
longe então eu desperto
e a Lua olho também

no olhar nada pago
tudo fico a dever
pois o meu olhar vago
espera ainda ver-te aparecer

tiro então mais um fôlego
da vida que não paguei
a minha, esta que logo,
é toda tua por lei
se a verdade só fosse escrita ...
tudo se poderia dizer
porém, penas bem dita;
é verdade sem morrer.



João Mota, Uma Dúzia de Páginas de Poesia,
Colecção Index Poesis, n.º 10

Para a lua

É tão difícil deixar-te
Antes pedir que me deixes...
Tu tens o encanto à parte
do brilho fugidio dos peixes.

Gosto de te ver andar de bicicleta!
É a maneira indirecta de mostrares as tuas pernas
Uma agora, agora a outra...
Até a saia mais discreta parece feita de vento
Eu no passeio
Tu no assento
dás tesouradas no ar
no meu peito a contra tempo.

É tão difícil deixar-te
Ver-te virar noutra rua
Tu tens o encanto à parte
de pedalar para a lua.



João Monge, Inédito

Pentagrama musical

O teu corpo é a minha pauta
Onde fiz nascer a melodia,
Dos teus cabelos eu fiz o DÓ
Dos teus olhos saiu o RÉ
Da tua boca fiz o MI
Ao teu pescoço chamei FÁ
Dos teus peitos fiz o SÓ
E do teu umbigo fiz LÁ
Depois de muito pensar
Eu não queria acreditar
Estava a pauta incompleta
Ouve um órgão que senti
De amor fiz vibrar o SI
Fiz uma obra completa.



João Matos, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Realidade parada

Vim da cidade, a realidade parada!
Ruas-passeios, rotundas encruzilhadas!
Vivo nas casinhas das pessoas vivas encaixotadas!

Cidade realidade parada...
Na fotocópia da rima inventada,
com a terapia quimico-practica?
Não ter corpo para desencontros,
numa realidade melhor disfarçada?

Quero eu ser outro?
Ou outro eu sou eu à mesma?
Um eu camuflado ou torto,
morria um eu e nascia outro?
Ou continuava eu, mas fingindo-me de morto?



João Gomes, Debaixo do Bulcão – Poezine, n.º 23

Canto certeza

Quanto é forte a dor daqueles
que trabalham o campo a espiga
e não colhem o seu pão
Quanta força despendida
Quanta lágrima e suor
Quanta força de razão

Lanças as redes ao mar
de marés turvas e vento
pescador meu bom amigo
O temporal vai passar
e num outro madrugar
encontrarás novo abrigo

Se eu cantar quem canta amor
se eu cantar quem canta paz
o canto é mais que certeza
é comer à mesma mesa
é dizer não volto atrás
Vamos dizer não à guerra
e encontrar esta terra
cantar o pão que nos traz



João Fernando, A Liberdade Tem Nome: Luísa

Medo

Quando nos encontrámos sós
as palavras estavam cheias de coisas inúteis
que nos roubavam o céu orgânico
o sonho semente
em ventre de corpo e solo irado
sob nuvens que ocultavam segredos húmidos
e ameaças incumpridas de tempestade.



João Couvaneiro, Literatura Actual de Almada

Bebida original

Está a escurecer
A noite teima em chegar
O sol perde-se sem saber
Que há vontade fresca
Neste meu gostar,
É bebida efervescente
O querer-te sentimental
Tu és meu sabor único
O meu gosto divinal,
Penso loucamente em ti
Ao beijar-te descobri
Que o sumo da tua boca
É minha bebida original.



Joana, “Verdadeiramente” Eu e os Meus Amigos

Quadras soltas

É com imensa tristeza
e mágoa no coração,
que vejo criança e pobreza
juntinhas numa só mão.

É nas quadras populares
que tudo se pode dizer
até o que vai na alma
do mais pequenino ser.

Descobri já muito tarde
o jeito para escrever,
mas nem todos têm arte
p´ra poeta vir a ser.

Se tu me queres tanto mal
eu mal te posso querer
e dar-te um tão igual
ao que me queres oferecer.

Poder andar bem vestido,
poder ter dinheiro e sorte
só não podes, meu amigo
fugir à hora da morte.



Jesus Aleixo, Versos Que Alguns Escreveram